terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Um relance sobre a Arquitectura Naval Lagunar, através de
embarcações que foram o seu símbolo

1 - Introdução

Alguns estudiosos, e outros simples citadores dos anteriores, procuraram, pressurosa e insistentemente, encontrar inspiração fora de portas para a Ciência Naval que ao longo dos séculos se foi desenvolvendo no espaço lagunar, ciência que não sendo produto de escola de formação de mestrança para tal desígnio, contou com a transmissão oral entre gerações como forma de se afirmar, e até, de evoluir para outras dimensões mais ousadas.
É hoje comummente aceite, sem grandes controvérsias, tidas noutros tempos em que se ensaiaram palpites diferentes, que a Laguna de Aveiro, teria iniciado a sua formação, cerca do Séc.X.



Interiorize-se esta data para fixar a ideia de que até ali o mar beijaria toda a costa ao longo da reentrância que, começada cerca de Ovar, se estendia até depois de Mira, ao Cabo Mondego. Desse modo melhor poderemos entender que há razão para que as duas expressões de arte naval que se vieram a desenvolver na área lagunar (de dimensão e conceito muito diferentes), até tempos bem recentes, tenham especificidades (estatuto e dimensão) diferentes, pois que serviram finalidades e objectivos bem diferenciados. Uma delas diz respeito à materialização de embarcações de alto bordo para navegação específica no mar. A outra, foi a que deu origem às embarcações apropriadas para a labuta em águas interiores da laguna. Interessa-nos, hoje e agora, fazer a abordagem da segunda destas expressões - ou categorias - da arte naval local.
Sobre a primeira utilizemos apenas umas referências, as suficientes para que nos ajudem a perceber como, certamente da sua prática, adveio muito do saber e experiência, depois (ou) simultaneamente utilizados na arquitectura de embarcações locais, ligeiras.
As primeiras referências à navegação costeira - nenhum navegante se atreve a viajar no seio do mar Atlântico, e a afastar a sua rota da costa -, em águas abertas, citam como embarcações que a praticavam junto à foz do Vouga, as barcas, baixéis ou pinaças,

BARCA
empregues na pesca das espécies em que o mar era rico nesta região - yrez, sibas, baleias, chocos - muitas delas reservadas, quer para a dieta dos Mosteiros da região, quer para satisfazer em vitualhas piscícolas, a Coroa ou os Fidalgos, quando de visita, pontualmente, à região.
Mais tarde, no Séc.XIV, há referências de que antigamente, barcos de alto bordo navegariam até ao Rio Boco, onde em Fareja (FORJA) se admite ter estado localizado um dos importantes estaleiros navais, da época. Também do ano de 1362 reza a determinação de D.Pedro I para que o vintaneiro dos homens do mar isentasse o barqueiro da passage de Cacia, de servir na frota real. Nos Séc.XV e Séc.XVI, gentes de Aveiro, conjuntamente com as de Viana e, ainda Terceirenses, constituíram uma das primeiras frotas de pesca sedentária, a instalar-se nas costas da Terra-Nova. Nesse tempo, em 1552, Aveiro armava 150 navios de alto bordo que iam aos mares da Terra-Nova, construídos em estaleiros situados na Calle de S.João; a arqueação dos navios armados neste porto (5.060 tonéis) só era excedida pela dos portos, de Calle e Lisboa.
Nos estaleiros referidos, na calle de S.João, canal de acesso à Villa, sabemo-lo, ter-se-iam construído Naus de elevada capacidade de carga, como nos refere a concessão, por el-Rei, D.Manuel I, de um pagamento de 300.000 reais, por conta dos 750.000 reais, que um mercador de Aveiro (Lopo Roriz) haveria de receber para a construção de uma Nau. Deveria ser razoavelmente desenvolvida a capacidade de construção local de tais embarcações, por aquele tempo, se atentarmos que Aveiro foi uma das bases de armamento que se distinguiu com a contribuição de uma esquadra para a expedição de D. Sebastião ao norte de África.
(cont)

NO ACTO DE DESMOIRAR

Julgo sem margem de erro, poder afirmar que li tudo quanto se publicou, ou anotou, sobre as Embarcações (Tradicionais) da ria de Aveiro.


Creio poder pois dizer, que muito poucos as olharam, senão e apenas para as reproduzir em palavras poéticas e ou fotografia.

Raros foram os que as apreciaram – ou catalogaram – estudando-as, justificando ou produzindo prova do traço identitário, da técnica naval patente em todas elas, para assim demonstrar que as suas formas resultaram, apenas e só, da necessidade de dar uma resposta cabal às exigências da intervenção do homem sobre o meio geográfico, para o virar a seu favor.
Constatei haver muito muitos eruditos – e depois dezenas de citadores dos mesmos - que tentaram arranjar inspiração para algumas delas (Moliceiro, Meia-Lua) nas catacumbas da história e nos lugares mais longínquos, para justificarem, assim, inspiração para as formas arrebitadas das mesmas. Algumas dessas referências – ou quase todas – só foram possíveis por uma clara ignorância de quem viu a árvore e não deu conta da floresta.
Para estudar a genialidade da Mestrança Naval Lagunar havia pois:

-Identificar as embarcações símbolos
- Fixar (finalmente!) a data da sua aparição na Laguna
-Identificar as especificações (caderno de encargos) a que cada uma obedeceu
-Estudar e fixar as suas formas geométricos, de um modo rigoroso
-E com o apoio das novas tecnologias, reproduzi-las para fins museológicos.

Foi essa a tarefa sobre a qual nos debruçámos nestes últimos anos

O Blog MESTRANÇA NAVAL LAGUNAR, adianta pois, fragmentos da imensidão de informação a que nos propusemos dar forma.

Oxalá desperte interesse nos potenciais leitores, até que o trabalho possa, em toda a extensão, poder ser disponibilizado ao público em geral.


Senos da Fonseca